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Olhar para o céu estrelado e contemplar a via-láctea é uma experiência incrível e que desperta a curiosidade de toda a criança. Mas foi na adolescência que Duilia de Mello, um dos maiores nomes da astronomia no Brasil, descobriu sua verdadeira vocação. Agora, seu objetivo é encurtar a distância do conhecimento entre o jovem e a ciência com um ousado projeto de inclusão científica nas escolas.

Graduada em Astronomia pela UFRJ, Mestre pelo INPE, doutora pela USP com pós-doutorado no Instituto do Telescópio Espacial Hubble, Duilia de Mello leciona Física e Astronomia na Universidade Católica de Washington-DC e é conhecida como a Mulher das Estrelas.

Há 12 anos trabalhando como associada do Goddard Space Flight Center, da NASA, foi a primeira pesquisadora a encontrar estrelas que se formam fora das galáxias. Entre suas principais descobertas estão a Supernova 1997D e as Bolhas Azuis, hoje conhecidas como estrelas órfãs, sem galáxias.

“Sou bastante orgulhosa do projeto bolhas azuis que começou pequeno e já virou assunto de mais de 15 artigos científicos e também de teses em mestrado e doutorado. Hoje sabemos que as bolhas azuis são estrelas massivas, quentes e jovens que nascem do lado de fora de galáxias que estão colidindo. Na ocasião da descoberta não sabíamos se essas estrelas tinham sido ejetadas durante a colisão ou se tinham nascido no meio intergaláctico. Mas como o projeto cresceu, conseguimos observar as bolhas com o telescópio gigante Gemini no Chile, onde verificamos os elementos químicos existentes lá e daí concluímos que elas foram formadas lá fora e com gás ejetado durante a colisão. O projeto continua a dar resultados e ainda dará muito mais em breve.”

Quando em 2013, foi escolhida como uma das 10 Mulheres que Mudam o Brasil pela Columbia University e ganhou o Prêmio Profissional do Ano Diáspora Brasil, concedido somente para brasileiros que se destacam no exterior, Duilia de Mello reabriu a discussão sobre mulheres na ciência.

Para ela, “as instituições científicas, incluindo as dedicadas à astronomia, ainda são dominadas pelos homens. O número de mulheres entrando na carreira tem aumentado, mas o número de mulheres em posição de liderança na ciência ainda é pequeno.”

No ano seguinte, a Revista Época destacou a cientista como uma das 100 Pessoas mais Influentes do Brasil.

Mas para alcançar o sucesso, a astrofísica extragaláctica precisou vencer, antes de qualquer coisa, os desafios de uma infância cheia de adversidades e poucos recursos. Assim como é com muitos outros brasileirinhos e brasileirinhas.

Duilia nasceu em Jundiaí, mas cresceu no subúrbio carioca. Seu pai era caminhoneiro e tinha sérios problemas com álcool. Sua mãe, também de origem muito simples, sacrificou-se como pôde para cuidar da filha que encontrou na busca incessante do saber e de valores perenes às atitudes refletidas, o seu próprio desenvolvimento pessoal.

O interesse pela astronomia já vinha, portanto, desde cedo.  Ela conta, era ainda bem pequena, deixava as outras crianças de pescoço duro, enquanto observavam as nuvens durante o dia e as estrelas durante a noite. Estudava em um colégio de freira no Brás de Pina, quando seu despertar científico surgiu a partir de uma experiência em que tinha como desafio observar o processo de metamorfose de uma lagarta em borboleta.

Em uma entrevista para a BBC, Duilia revela que foi naquele momento que a sua “curiosidade científica foi despertada”. Afinal, em sua primeira tentativa, a borboleta que saiu do casulo tinha as asas deformadas. Foi aí que ela insistiu em uma segunda tentativa, resultando na completa metamorfose, incluindo as lindas e grandes asas do inseto.

Apesar da sua família ter levado um susto quando, mais jovem, decidiu prestar o vestibular de Astronomia, Duilia já sabia muito bem até onde poderia chegar em sua carreira.

“Eu deixei o Brasil em 1997 durante uma crise econômica que o país passava. Como eu tinha muitos contatos fora, já tinha morado nos EUA durante o meu doutorado e tinha viajado bastante, enviei currículo para um astrônomo do instituto do telescópio espacial Hubble que eu havia conhecido em um congresso e fui contratada para um pós-doutoramento. Fiquei lá até 1999, depois fui para a Suécia tentar a carreira no mesmo observatório que meu marido, que é sueco. Não me adaptei muito bem à Suécia e resolvemos voltar para os EUA, acionando novamente os nossos contatos. Ele foi para o Instituto do Hubble e eu fui para a NASA GSFC. Eu trabalho com projetos na NASA. Atualmente trabalho com imagens do Hubble que tiramos mostrando galáxias em processo de formação. Estamos analisando galáxias que se parecem com a Via Láctea quando ela estava em formação há 10 bilhões de anos.”

Há 8 anos, como professora na Universidade Católica da América, considerada a “PUC de Washington DC”, Duilia acrescenta: “Gosto muito do meu trabalho. Acho muito importante passar o conhecimento adiante e faço isso nas minhas aulas.”

Com mais de 100 artigos científicos, é autora do livro Vivendo com as Estrelas, um relato sobre suas descobertas no campo da astronomia, além de servir como inspiração para quem também está perseguindo essa área da ciência como profissão.

Ela também publicou livros infantis, dentre eles, um ganhou destaque, principalmente nas redes sociais, onde a autora organiza concursos com crianças que se encantaram com a história de “Pedro, uma pedra espacial“. A obra é uma narrativa de um meteoro que viaja pelo espaço até cair Terra. Nela ele conhece outros meteoros que caíram em diferentes países. Na realidade, todas esses pedras personificadas, fazem parte da coleção pessoal de meteoritos da astrônoma.

Mas a sua trajetória não pára por aí! No ano passado, Duilia de Mello deu início à criação da Associação Mulheres das Estrelas (A.M.E.) com o objetivo principal de estimular a formação de clubes e competições científicas entre as escolas.

“A A.M.E. ainda é um sonho, mas deve virar realidade em breve. Eu já faço um trabalho de divulgação de ciências no Brasil há 20 anos. Sempre respondo as perguntas de crianças, jovens e curiosos na internet que querem saber sobre a carreira de astrônomo. Existe muita preocupação da família quando os jovens dizem que querem seguir carreiras que não sejam as tradicionais. A A.M.E. vai tentar mudar isso.” — revela.

Para transformar a Associação Mulher da Estrelas virtual em um mundo real, Duilia de Mello explica: “Esse ano resolvi arregaçar as mangas e ir às escolas brasileiras para começar um movimento que, espero, vire um movimento nacional, um movimento real. Durante a minha visita vou fazer um ciclo de palestras em que irei falar sobre o que faz uma pessoa chegar ao sucesso e porque é importante seguir o talento.”

Ela ainda reforça que espera das escolas brasileiras, que “comecem a devotar mais tempo na preparação do jovem para a escolha da carreira. Mostrar para as crianças e jovens as diferentes carreiras que podem ser seguidas e abrir o horizonte dos jovens que muitas vezes se sentem desorientados ou sem motivação na decisão pela carreira. Por isso, acho muito importante que as escolas comecem a criar clubes (clubes de robótica, de matemática, de física, de astronomia, etc) onde as crianças possam desenvolver hobbies e descobrir talentos. Isso pode ser feito em colaboração com as universidades, promovendo uma maior aproximação entre o ensino básico e o acadêmico.”

ame400Por enquanto, a associação criada por Duilia, atua somente com palestras de motivação, tomando como base a experiência de apresentações dos últimos 10 anos e que deve aumentar a frequência nos próximos meses. Além disso, já estão sendo desenvolvidos clubes, feiras de ciências e mentoria e que aguardam a coleta de fundos e doações para a realização desse projeto que também pretende distribuir bolsas de iniciação científica.

A Associação Mulheres das Estrelas, conta com a parceria do Projeto Móbile, o Núcleo de Pesquisa de Ciências, o GaeA e voluntários que colaboram diretamente e indiretamente com o mesmo propósito. Educar nossas crianças a partir do conhecimento científico.

Vida longa à Mulher das Estrelas!

Fonte: Jornalismo Colaborativo

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