Com quase 80 anos, escritor brasileiro e recordista no Guinness é símbolo de resistência literária

Ryoki Inoue trocou o bisturi pela pena e desafiou o mercado com mais de mil livros. Hoje, o que pede não é fama, é respeito.

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Posted on julho 22, 2025, 12:53 pm
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No dia 22 de julho de 2025, Ryoki Inoue completa 79 anos, um momento para celebrar não só a quantidade impressionante de sua obra, mas o espírito humilde e apaixonado por trás dela. Neste retrato ampliado, buscamos ir além do recorde, revelando um homem que viveu pela palavra, mas nunca pelas honrarias.

O cirurgião que virou contador de histórias

Nasceu em 1946, em São Paulo, filho de pai japonês e mãe portuguesa. Formou-se em Medicina pela USP em 1970 e tornou-se cirurgião torácico. Porém, em 1986, decidiu deixar a medicina para se dedicar à escrita. Uma escolha arriscada, mas sincera.

Num ritmo quase insano, produziu entre 999 livros em seis anos, hoje a marca ultrapassa 1200 obras, sob dezenas de pseudônimos, 39 ao todo por exigência das editoras. Ele dominou cerca de 95 % do mercado de pocket‑books no Brasil com histórias de faroeste, espionagem, guerra, policial, romance e muita ação.

Técnica, disciplina e liberdade criativa

Era capaz de escrever três livros em um único dia e trocar de teclado a cada cinco meses, de tanto que digitava. Às vezes escrevia capítulos inteiros nas idas ao banheiro ou diante da tela de um computador simples, testemunhado e registrado pelo Wall Street Journal.

Apesar da produção avassaladora, não via isso como glória, mas como sustento, uma resposta à precariedade de direitos autorais num Brasil que raramente remunera seus criadores.

Humildade rara, energia inabalável

Ryoki não admitia vaidade. “Nunca procurei fama, sou muito bicho do mato para tanto”, disse em entrevista. Admitiu que sua única ambição era escrever e experienciar a própria energia criativa, jamais sustentar a imagem pública.

Mesmo dominando gêneros populares, via os pocket‑books como veículos para estimular a leitura, “viciar” leitores mesmo entre quem nunca tinha o hábito. Com narrativa simples, direta e ritmo audacioso, aproximou o público do hábito de ler.

Como contador de histórias, lembrava Sherazade: cada livro era uma razão para manter viva a magia da narrativa.

Agora, aos 79 anos: um alerta para o país

Hoje, debilitado por problemas neurológicos e vivendo com assistência de sua esposa, enfrenta a dura realidade de sobreviver com poucos recursos. Um autor que se empenhou por tantas décadas vive quase invisível.

Este momento deveria ser mais que uma efeméride: é um convite para refletir. O Brasil precisa lembrar que inteligência não se mede só em prêmios, academias ou livros caros, mas em persistência e coragem.

Mensagem para os que ainda acreditam

Ryoki Inoue nos mostra que variedade não prejudica a profundidade: ele explorou faroeste, psicologia, espionagem, política, amor e mistério, sempre com coerência e estrutura. Ele se propunha a escrever bem, com técnica, planejamento, storyline e realização.

Escreveu para abastecer bancas populares, mas também para dizer que ler pode transformar. Apesar de se esconder por trás de pseudônimos, nunca deixou de ser ele mesmo, um escritor de verdade.

O último romântico da escrita operária

Não é o momento de apagar a vela, mas de reacender o espírito de leitura e de apoio à cultura no Brasil. Celebrar Ryoki é celebrar a literatura do dia a dia, acessível, humana, próxima.

Aos 79, ele não busca elogios. Busca dignidade. Como leitor, escritor ou simples amante das ideias, somos convidados a reconhecer que sua trajetória é singular e que escrever tanto foi menos um troféu e mais um ato de fé.

Que este aniversário seja um chamado: não deixemos que os operários da palavra desapareçam sem um aplauso, ainda que mesmo tardio.


Leia na íntegra em
https://jornalismocolaborativo.com/enquanto-tudo-escurece-a-escrita-permanece-com-a-vela-acesa/

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