saturnalia

Sempre que o termo “Carnaval” vem à tona, a maioria das pessoas tende a  considera-lo como uma festa tipicamente brasileira e a presença dessa festividade em nosso calendário anual é tão forte que muita gente afirma que o ano só começa realmente depois que ele termina. “Carnaval” é uma das três primeiras palavras citadas por estrangeiros quando o assunto é o Brasil.

Porém, essa festa não é originalmente verde e amarela. Seu berço é na Roma Antiga e o nome original é Saturnália, uma homenagem aos deuses Saturno e Baco. Nela, um carro alegórico em forma de barco, um “carro naval”, percorria as ruas da cidade enquanto os foliões o seguiam cantando e brincando.

O termo “Carnaval” significa o “adeus à carne” ou “a carne nada vale” e celebra os prazeres terrenos. Alguns especialistas também relacionam as festas carnavalescas com os rituais de adoração aos deuses egípcios Isis e Osíris. Na França, o Carnaval foi caracterizado pela festa democrática entre a burguesia e a classe trabalhadora, onde a principal diversão era o desfile de máscaras e fantasias criativas, onde a criatividade era o principal atrativo. Desde 1091 o Carnaval passou a marcar o calendário brasileiro de feriados, quando a Igreja Católica oficializou a data da Quaresma. O Carnaval é comemorado como um revés ao comportamento reservado e à reflexão espiritual. Assim, a festa carnavalesca passou a ser entendida como um período onde as obrigações do mundo cotidiano são anuladas.

Muitas pessoas aguardam o ano todo para “pular” o Carnaval, cantar, brincar e fazer valer a celebração dos prazeres da carne assim como na Roma Antiga. Sem culpa, bebem muito e despreocupadamente, usam drogas perigosas para sair um pouco da realidade e assim, acabam por se tornar verdadeiros demônios entre nós. São esses foliões que causam danos irreversíveis a terceiros que, na maioria das vezes, não têm nada a ver com a história. Motoristas alcoolizados são extremamente perigosos, seja pela perda dos reflexos indispensáveis à condução dos veículos, seja pela ousadia e prepotência que deles se apodera. Isso sem contar aqueles que aproveitam-se da distração alheia para roubar e matar em troca de, muitas vezes, alguns trocados ou um mero par de calçados.

O problema dos excessos no Carnaval não são novos. Basta uma simples consulta às estatísticas dos departamentos de trânsito brasileiros para verificar os estragos causados por esses demônios a cada carnaval. Excessos esses que também são vistos na maioria dos feriados, sejam estes em datas religiosas ou mesmo por eventos esportivos. Os demônios que entre nós habitam torturam e matam também por rivalidade entre times de futebol. Já virou rotina esse tipo de barbaridade nas capas e manchetes de jornais. Vidas ceifadas, famílias destruídas. E que venham a Copa do Mundo e as Olimpíadas no Brasil!

Há também os anjos do Carnaval. São aqueles profissionais que primam pela segurança e bem estar do público no Festival da Carne. Não refiro-me aos carnavalescos, organizadores dos trios elétricos, micaretas, blocos e afins. Esses últimos são os próprios emissários de deus Baco, cumprindo com afinco as instruções para a organização e pelo desenrolar do teatro de fantoches que hoje transformou-se o Carnaval, onde os bonecos são os foliões, e as cordas que os manipulam são a mídia do sexo e da cerveja. Os anjos do Carnaval são os médicos e enfermeiros de plantão, são os policiais que tentam manter a ordem (nessa festa sem a mínima chance de progresso), os bombeiros e socorristas que tanto são requisitados nestes dias inúteis de procela, os garis que limpam a sujeira infernal no dia seguinte à borrasca engendrada, enfim, os anjos do Carnaval são as pessoas sérias que, por força da ética de suas profissões, fazem prevalecer a razão em meio a irracionalidade atroz que é o Carnaval.

Entre os extremos, entre os anjos e demônios, estão aqueles que medem sua diversão, consideram os riscos envolvidos, ingerem bebidas alcoólicas com parcimônia e não oferecem risco algum a outrem. Estes, em sua maioria, preferem a tranquilidade e o merecido descanso que esse enorme feriado pode proporcionar.

Aos criadores, fomentadores, apreciadores e habituées da Saturnália, digo, da festa de Carnaval, meus mais profundos desejos de sorte e que Baco esteja convosco.

Aos que estão entre os anjos e demônios, classe na qual me insiro, desejo proveitoso descanso e que o ócio desses dias seja bastante produtivo.   

Eduardo Queiroz é paulista de São José do Rio Preto. Fã incondicional do bom e velho rock n’ roll, leciona as línguas inglesa e portuguesa a alunos de todas as idades. É revisor, editor, escritor e colunista semanal do Vale Jornal e outras publicações de Jornalismo Colaborativo do Vale Publicar.