belezaEscuto, indiscreto sem querer, a conversa do casalzinho que está à mesa ao lado da minha, em um restaurante qualquer.

Muito séria, a mocinha pergunta:

– O que é que você considera “uma mulher bonita”?

Galante e até mesmo um pouco anacrônico, o rapaz responde:

– Uma mulher como você…

Não posso deixar de considerá-lo cavalheiro mas, da mesma maneira, eu o acho um pouco pobre no que diz respeito à definição.

Sorrio, com tristeza, de mim mesmo.

Se sou capaz de me julgar capacitado à crítica, essa capacidade se deve apenas à idade… O que tenho, no fundo, não passa daquele ciúme nostálgico que bem pode ser explicado como “inveja da juventude”…

A mocinha, mais objetiva e bastante exigente, não se contenta com aquela resposta e reclama:

– Você não disse nada. Não respondeu à minha pergunta.

Muito mais esperto do que eu poderia imaginar, o rapaz lhe dá um beijinho, outro e mais outro, atacando imediatamente em seguida seu prato, deixando o assunto tombar por terra.

Está decidido a não responder, a não se comprometer…

Pois bem, cara mocinha, minha bela menina-mulher… Já que seu companheiro não satisfez sua curiosidade, vou procurar fazê-lo.

Em primeiro lugar, não pense você que a presença destes cabelos brancos e destas rugas que maldosamente já começam a me circundar os olhos e a tornar mais duro o meu sorriso, sejam motivos suficientes para você me classificar de “velho”. Posso ser mais idoso que você e seu companheiro juntos, mas ainda falta muito para que eu me considere velho e ultrapassado.

No fundo, esses anos todos que já vivi, no mínimo serviram para que certos conceitos meus sejam um bocado diferentes da média, sejam talvez muito subjetivos e até difíceis de explicar mas, pode acreditar, minha menina bonita, são conceitos trabalhados, vivenciados e muito analisados…

Conceitos que, pelo menos, me satisfazem e que, no que diz respeito à beleza feminina, pode ser que a satisfaçam também.

Certa vez, ouvi um desses filósofos de bar dizer que o belo na mulher é exatamente aquilo que se contrapõe ao feio do homem.

Talvez seja esta uma boa maneira de entender como e por que mulheres tão bonitas se casam com homens tão feios… e vice-versa.

Mas, em minha opinião, são balelas, ginásticas mentais e palavrório inútil.
Uma mulher é bela por que…

É simplesmente bela.

Ao lado da parte física, a matéria harmoniosamente constituída, as linhas e curvas esteticamente bem equilibradas, há algo mais, há qualquer coisa que faz com que o homem que a vê sinta, de repente, um enlevo todo especial e a deseje…

Sim, ele pode desejá-la e de muitas maneiras.

Talvez até mesmo como eu a estou desejando agora, sem nem sequer pensar em qualquer coisa que seja diferente de um platonismo até fora de moda.

É esse algo mais, essa aura que circunda a mulher que é bela, que é capaz de fazer com que uma criança – esse serzinho que ainda não tem maldade em sua alma, que não tem malícia alguma em seu coração e não possui qualquer idéia carnal em sua mente -a veja e diga, com um sorriso encabulado:

– Você é bonita…

Seria, essa aura, uma expressão ectoplásmica da bondade?

Não sei…

Não sei definir muito bem o que possa ser a bondade feminina.

Seria a capacidade de se entregar ao amor, de se dedicar ao homem que ama, de se desdobrar como diz Raimundo Corrêa, “desfiando fibra por fibra o coração” em relação a seus filhos? Ou seria a bondade apenas o fato de ser cordata, dócil, simpática e sempre pronta a servir?

Há mulheres belas que não são assim…

Têm sua vida própria, seu brilho próprio, independem de todo e qualquer homem, não querem saber de filhos – estes atrapalhariam seus objetivos – e nem por isso deixam de ser belas, deixam de ser desejadas…

Mas…

Olhando-me interiormente, avaliando a experiência que estes cabelos brancos provam, penso se estas mulheres, belas, belíssimas, maravilhosas e atraentes, mulheres por quem um homem seria capaz de cometer as maiores loucuras, penso se elas continuarão merecedoras de toda essa devoção… dentro de trinta anos.

Sim.

Dentro de trinta anos, quando a chamada “idade madura” chegar, com o grisalho nos cabelos, as juntas já um tanto rígidas, a disposição para tudo, bem arrefecida, a vida marcada por desencontros e desencantos, por desilusões e frustrações, será que essas mulheres continuarão belas?

Ou será que em seus rostos, já então vincados, não estará mais presente do que qualquer outra coisa, o amargor decorrente de tudo o que foi vivido, de tudo quanto foi passado, sofrido e,
sobretudo, de todos os momentos perdidos na perseguição de um ideal, de uma meta que, fundamentalmente, não era a sua?

Veja, minha bela menina-mulher…

Sim, pois você é bela, pelo menos ainda…

Continue assim como a vejo, olhando com carinho para esse bobalhão que está à sua frente… Continue a ser como é, a pensar como uma menina e a agir como uma mulher.

Talvez seja esse o segredo…

Tenha suas metas, persiga-as. Alcance-as. Realize seus sonhos materiais, profissionais, financeiros. Conquiste seu lugar na cruel sociedade, seja alguém, vença!

Mas, para que continue a ser bela, para que até mesmo esse apolônico imbecil que a tem hoje, continue a seus pés, é preciso apenas uma coisa: é preciso que você jamais deixe de ser,
simplesmente, mulher…


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